Quando a gente diz mais com menos
Aprendizagens da vida
Olá leitores (atuais, potenciais, relutantes, futuros—seja o que for),
Tenho vários sonhos para a vida e quase todos giram em torno de fazer a leitura ser mais prazerosa, mais acessível, mais possível. Quero escrever um romance/fantasia. Quero ter um sebo de livros de amor. Quero dar oficinas mensalmente sobre leitura e escrita. Quero criar uma revista online que publica arte e flash semanalmente, sendo lida para pelo menos 100 leitores frequentes/interessados.
Flash é o nome de um texto curto (em geral é entendido como um texto com menos de 1000 palavras, mas como tudo na vida tem pessoas que acham que é mais ou que é menos). Não é uma crônica, não é um conto. Tommy Dean, um editor/escritor estadunidense, identifica as "duas características-chave de uma ótima história curta são velocidade e profundidade. (É uma) história curta como um instantâneo, contida em um quadro.”
Amo flash e eu principalmente escrevo flash. Para mim, é a forma mais imediata e interessante para contemplar minhas experiências e mais acessível para os outros lerem. É um instante que representa muito mais.
Acabei de publicar um flash de não ficção sobre o suicídio do meu pai. Se você tem interesse em entender melhor o que é flash, a proposta de nossa revista (o motivo da gente ficar perturbando vocês para compartilhar Re.Amar com outros), leia.

Quando a imaginação corre solta (originalmente publicado em inglês no JMWW)
Aviso de conteúdo, trata de suicídio e culpa.
Eu perguntaria se pudesse, mas não posso.
*
Talvez... haja um som do lado de fora da sua porta—tecido sussurrando contra paredes de gesso, tênis andando na ponta dos pés sobre o piso de madeira, metal segurado em mãos ocultas. Os temidos assassinos chegaram. O suor escorre pelas suas têmporas e seus dedos tremem quando você alcança o telefone. Sem bateria. Você avisou a eles, o síndico, o médico, a filha, mas ninguém fez nada. Como sempre, você está só. Um pássaro pousa no corrimão da sua varanda no oitavo andar. É isso; você deve voar. Suas pernas vacilam enquanto você se equilibra ao lado do pássaro e fecha os olhos antes de saltar, escapando por pouco da bala de uma vida inteira de inimigos.
Talvez... você esteja escondido atrás da geladeira, ou não tanto escondido quanto esparramado no chão da cozinha. Chão? Você se confunde com essas coisas às vezes. Deve ter caído, assustado pela batida brutal do síndico contra sua porta, gritando que você é um mendigo. Ele nunca te conheceu como algo além disso, mas existia um você antes de agora. Um você com dinheiro, mulheres e carros velozes. Você era especialista em escapar velozmente de todos os seus estragos. Não mais. Nenhum plano surge em sua mente sobre como ficar rico rapidamente e, pior ainda, você não consegue encontrar energia para imaginar outro você. Você gostaria de uma coca-cola com uísque ou provavelmente apenas um uísque, mas não sobrou nada. Você vira a cabeça, o azulejo sujo grudando na bochecha mal barbeada. A luz sorri através das persianas que você deixou completamente abertas. Talvez, você considera, essa seja uma saída melhor.
Pode ser que... sua mãe te assombrasse. Muito depois da última conversa vocês tiveram, a voz dela ecoava em seus ouvidos. De novo não! Fracasso! Mais uma bebida! Você a ouvia não importava onde fosse ou como preenchesse seus dias? Você era assombrado pela voz da mulher que nunca o nutriu, que declarou em voz alta que você era o menos favorito de seus quatro filhos? Odeio culpar a mãe, mas havia problemas ali. E naquele dia, o dia, pode ser que enquanto você ofegava com a sensação de estar fragmentado além do reparo, ela disse para você tomar um ar, e quando você agarrou o corrimão, bochechas manchadas de vermelho e olhos vítreos com a dor de lágrimas não derramadas, você a ouviu sussurrar sua palavra favorita, inútil, e você finalmente se soltou.
Tudo que tenho são minhas imaginações.
Meu pai morreu em 20 de março de 2011 em São Paulo, Brasil. Suicídio. Alguns de seus outros filhos, um ou dois dos sete legalmente documentados como seus, acreditam que ele não queria cair—dizem que estava alucinando devido ao alcoolismo severo. Claro, poderia ter sido dano causado pela bebida e não uma ação deliberada. Por que discutir? Infelizmente, eu era a mais velha, o conheci por mais tempo, e disso tenho certeza: meu pai, cheio de dívidas e vício, tinha poucos recursos para suportar a vida.
Não sei porque sou uma filha que ignorou seu pai em sofrimento. Um pai que liberava sua dor em palavras e punhos e ainda conseguia, por muitos anos, desembaraçar os nós do meu cabelo, e que eu não fui visitar, mesmo sabendo que ele não estava bem. Ele não deixou um registro do que pensava, com quem falou, no instante em que morreu. Tudo que sei é o que vi, seu corpo quebrado no chão, e o que lembro, um homem difícil que sempre foi seu pior inimigo.
Repetidamente, com uma culpa espessa e gordurosa obstruindo minha garganta e me deixando balbuciando por ar, imaginei o que nunca saberei. Não encontrei respostas em minhas imaginações vividamente formadas.
Com o tempo, a culpa foi absorvida pelos meus músculos faríngeos, desobstruindo as vias aéreas e alterando permanentemente minha fala. Agora, posso engolir sem sufocar, e estou acostumada com o sabor residual do arrependimento. Não deixo mais minha imaginação se soltar e, mesmo não havendo paz em nunca saber, encontrei aceitação em não esquecer.
Já escreveu algo com menos de 1000 palavras? O que você acha sobre flash? Conte-me.
Melissa

